quarta-feira, março 23

Quem precisa de um consolador?


Na atual conjuntura evangélica, algumas interpretações de trechos das escrituras tornaram-se contraditórios. Não digo isso por haver erro nas escrituras, mas porque estamos distorcendo os ensinamentos deixados pela Igreja primitiva.
Existe uma linha de pregadores ensinando que os cristãos não podem sofrer. Aliás, segundo esta linha de pensamento, os cristãos, em parte, são semelhantes a amuletos da sorte, devem atrair tudo que for bom para o homem carnal, pois tudo de bom deve ocorrer com eles e para eles.
Talvez, isso seja fruto do positivismo exacerbado pregado nos púlpitos. O cristão não pode ficar desempregado, adoecer, ser “passado para trás” e, em hipótese alguma, tudo que puder acontecer de errado, poderá acontecer com ele. Ele é ensinado a pensar sobre si como alguém imune às consequências que deixam a vida estraçalhada.

Na realidade, estamos ingerindo uma alimentação que os pais da Igreja refutaram, por promover mais mal do que bem.
A própria Escritura contradiz o senso comum contemporâneo, afirmando o inverso do modismo atual, por intermédio das tribulações de Jó, no encarceramento de José, do sofrimento de Jeremias, das perseguições aos apóstolos levando a grande maioria deles ao martírio. Isso, sem contar, com as palavras categóricas do próprio Filho do Homem que afirmava não ter nem onde reclinar a cabeça.
Em nenhum momento, Cristo afirmou que não sofreríamos, que não veríamos a verdade que dizemos mudada em mentira, que não ficaríamos doentes, que não passaríamos necessidades... E até mesmo o Apóstolo Paulo demonstrou ter aprendido rapidamente a mensagem cristã, sabendo viver nos extremos, dando graça em tudo. Dizia ele: “Sei estar abatido, e sei também ter abundância; em toda a maneira, e em todas as coisas estou instruído, tanto a ter fartura, como a ter fome; tanto a ter abundância, como a padecer necessidade. Posso todas as coisas em Cristo que me fortalece” (Fp 4.12-13).
Pelas palavras de Paulo, verifica-se que os extremos existem no mundo cristão e não somente fora dele. Aliás, segundo os apóstolos, converter-se, verdadeiramente, ao evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo, alterava os valores humanos a ponto destes saírem “regozijando-se de terem sido julgados dignos de padecer afronta pelo nome de Jesus”(At 5.41). Para falar a verdade, o pensamento apostólico em nada se assemelha àquilo que a massa desta geração anda a buscar.
Não entendemos que as tribulações não são prejudiciais ao homem espiritual, talvez, o sejam ao homem carnal, por demonstrar que ele não tem controle sobre sua própria vida e que sua “sorte” não pode ser alterada a seu bel prazer.
No entanto, o homem espiritual, o homem convertido em Cristo, apropria-se de todas as tribulações, para seu próprio bem, afinal de contas, “...sabemos que todas as coisas contribuem juntamente para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito” (Rm 8.28).
Ora, se o propósito é nos tornarmos à imagem, conforme a semelhança de Cristo, não podemos esperar que seremos mimados com o objetivo de alcançar tal estatura. Antes, passaremos por tribulações, de semelhante modo como Ele passou.
Diante das intempéries da vida, quem é que precisa ser consolado? O homem que tem tudo? De modo algum! O consolo é prerrogativa do Homem que necessita que sejam aliviadas suas penas, daquele que anseia que suas amarras seja afrouxadas, do homem que busca refrigério após ter lutado contra forte oposição. Aquele que busca o consolo, o busca porque sua atual realidade se ajusta mais a um cenário de guerra, de luta e de conflito do que à realidade de um ser abastado que tudo tem e nada precisa. O homem que se encontra nesse tipo de luta necessita ser lembrado que “...a nossa leve e momentânea tribulação produz para nós um peso eterno de glória...” (2ª Co 4.17)
Creio que o consolador foi enviado, em parte, porque não teríamos tudo do bom e do melhor, porque nem todas as coisas ocorreriam da forma como gostaríamos que fossem, necessitando ser, constantemente, recordados a respeito da promessa para que nenhum de nós se desvie e perca o rumo.
A teologia da prosperidade pode afirmar que o objetivo do homem é ter todos os seus desejos realizados, mas as Escrituras são contrárias a estas afirmações e a própria ação consoladora do Espírito Santo é capaz de refutar a ideia de que todos nos estamos aqui para, enquanto caminhamos rumo a Cristo, alcançarmos todos os bens materiais que ansiamos. Afinal de contas, o homem que alcança todos os seus desejos e não sofre nenhuma intempérie, acaso, pode precisar de um consolador?
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Postado por Ricardo Inacio Dondoni

1 comentários:

Unknown disse...

Olá maninho!
Parabens pelo texto!
estou de pleno acordo..

Existem várias distorções da palavra de Deus. Em todas, vemos o objetivo mórbido, de influenciar as pessoas a buscarem adesões a suas instituições religiosas. Lamentavel!

Portanto, a Bíblia tornou-se um produto manipulavel ao gosto do cliente..
-quer cura, vai a mundial do poder de Deus..
-quer sucesso financeiro, vai a iurd com seu deus capitalista
-quer poder, vai nas mais diversas pentecostais que só enfatizam dons.

enfim, tudo isso.., em nome de um gezuis feito por mãos de homens!

abraços
otimo fim de semana

Carlos Herrera
cativosporcristo.blogpost.com

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